"Na SIC há gente a mais a ter opinião"
Ainda no final do ano passado dizia estar a viver "uma paixão forte e duradoura pela SIC". Agora, separou-se e já se juntou a outra. Acabou a paixão, ou houve alguma traição?
Não lhe chamaria traição. Antes abandono. Acontece muito nos romances de cordel passados em países latinos! (risos)
Agora a sério, porque saiu da SIC?
Imagino que o meu desconforto público com o final abrupto da Roda da Sorte para dar lugar ao megaflop Nós Por Cá (que conseguiu a façanha de transformar os meus seiscentos e tal mil espectadores em trezentos e tal mil) tenha despertado alguns demónios numa das cabeças mais poderosas da Hydra SIC: a da informação. Daí a ter ganho o direito a entrar na mesma centrifugadora que projectou a Júlia Pinheiro, o José Alberto Carvalho, a Sílvia Alberto, o Jorge Gabriel, o João Baião, o João Adelino Faria e tantos outros foi um salto de corça.
Acha mesmo que foi pelas críticas que fez que se transformou em dispensável?
Tudo indica que sim, tudo indica que sim.
Nas declarações que tem feito nos últimos dias, tem criticado a SIC mas poupado Nuno Santos, o director de programas. Porquê?
Sigo o meu instinto. Sei bem o que ele lutou para me dar o enquadramento que ele achava que eu merecia. Passámos momentos excelentes.
Diz que não sai magoado da SIC, mas nota-se algum azedume quando fala da estação. Acha que foi maltratado nestes últimos meses?
É mais estupefacção do que azedume. Mas infelizmente não estou só. Quem anda pelos corredores de Carnaxide percebe que há qualquer coisa de terrivelmente errado. Muito sinceramente, acho que se perderam duas componentes essenciais numa actividade deste género: a alegria e o afecto.
E de quem é a culpa disso?
Não lhe sei dizer (pausa). Confesso que não lhe sei dizer (nova pausa). Admito que seja o resultado de vários meses de vicissitudes.
Mas a ideia que fica é de que a SIC deixou-o sair sem tentar demovê-lo. É verdade?
Absolutamente. Já tenho mandado valentes gargalhadas à conta dessa história. Mandei um mail "ameaçador" à direcção de programas em que dizia: "Ou me dão resposta até final de Março, ou vou-me embora", e eles ficaram com tanto medo, mas tanto medo, que nem me responderam! (risos)
Como interpretou esse silêncio?
Nem sei bem, mas o processo acabou por ser embaraçoso porque basicamente a mensagem que a "nova" SIC deixou no mercado foi: "Este senhor tornou-se tão desinteressante que é descartável." A contratação da TVI deu felizmente o sinal contrário: "Este senhor é tão profissional que nós - empresa líder do mercado - não hesitamos em lhe meter nas mãos o nosso prime time mais valioso"... Impressionante como em poucos dias passei a ter uma reacção eufórica no público e no mercado dos espectáculos.
A sua passagem pela SIC assemelha-se à daqueles grandes jogadores que vão para uma equipa em baixa de ciclo. Apesar de serem grandes jogadores, não evitam que a equipa fique em segundo ou terceiro a muitos pontos do campeão. Sente hoje que o timing da sua relação com a SIC não foi o mais afortunado?
Nunca pensei muito no assunto nesses termos, até porque momentos houve em que conseguimos algumas alegrias pontuais. A última e bem recente chamou-se Chamar a Música. O problema foi mais profundo, e daria para uma tese de muitas páginas. Quando uma empresa é gerida por um comité e não por um superdirector, há sempre facções contra e a favor. O tempo e a energia que se perdem têm efeitos devastadores. E é muito mais fácil destruir do que construir.
O que é certo é que os anos de ouro da SIC (década de 90) passaram-se consigo na RTP...
Acho que ainda tive direito a dois anos mágicos. Há um momento de viragem fatal que é a "síndrome do pontapé do Marco no BB1". A partir dessa fase, abriram-se as primeiras fendas no edifício Rangel. Foi muito doloroso assistir à derrocada para quem, como eu, vivia encantado com a sua capacidade e entusiasmo na liderança de projectos. É um homem adorável e marcante. E incontornável na história da televisão em Portugal.
Qual é o problema da SIC, por aquilo que conhece da empresa, da casa e dos seus profissionais?
São muitos problemas e todos resolúveis. Com tempo, bom senso, boa liderança, uma boa injecção de capital e muito pragmatismo. A marca mantém o seu prestígio intocado.
Dizia há pouco que a SIC é gerida em comité. O que quer dizer com isso?
Quero dizer isso mesmo. Aquilo é gerido em comité. Há gente a mais a ter opinião. E, como diz o provérbio popular, cozinheiros a mais estragam sempre o cozinhado.
Portanto, partilha da ideia da sua amiga Teresa Guilherme que, à Notícias TV, disse que o problema da SIC é não ter chefes?
A minha querida Teresa que me desculpe mas, depois de ter vendido um balão cheio de vento ao grupo Balsemão por vários milhões de euros, o mínimo que poderia dar em troca seria um piedoso silêncio. Não a acompanho no lançamento das suas granadas ofensivas, embora lhe admire a frontalidade.
Luís Marques não é o chefe da SIC?
Ao que me dizem, o papel dele na SIC neste momento é saneá-la financeiramente e prevenir a sua implosão. Tarefa ciclópica e muito meritória. Os dramas da SIC estão todos a montante do Luís Marques. É cedo para julgar o seu papel.
Porque é que desde que foi anunciada a sua saída da SIC, em duas ou três semanas foi a quatro programas da TVI?
Porque me convidaram. Também aceitei um convite da RTP para entrar no concurso da Catarina Furtado, e adorei ter ido. Diverti-me imenso, cantei a "História do Capuchinho Rodrigues Monteiro" e o "Vamos lá Cambada" com a Alexandra, e matei saudades de velhos amigos.
Já calculava que ia responder isso (porque o convidaram...), mas deixe-me fazer-lhe a pergunta de outra forma: andou a oferecer-se à TVI?
Num caso confesso que me ofereci. Assim que me desvinculei emocionalmente da SIC, telefonei ao Manuel Luís Goucha para lhe ir agradecer pessoalmente o apoio público que ele e a Cristina me deram assumindo-se como fãs da Roda da Sorte. O impacto da minha ida foi tão positivo que imagino que tenha potenciado os outros convites.
No entanto, durante todo esse tempo, e sempre que os jornalistas lhe perguntavam para onde ia, o Herman dizia que o mais certo era voltar ao "conforto" da RTP. Andou a fazer... jogo duplo?
Nada disso. Mantenho o que sempre disse. Só no "conforto" da RTP se pode fazer um grande talk show, que está condenado a nunca ser líder de audiências - como tal é um produto contranatura para qualquer canal comercial.
Mas chegou a falar com José Fragoso, ou continua a achar que ele não gosta de si?
Achava que ele não era grande fã, mas ele teve a generosidade de mo desmentir pessoalmente quando nos encontrámos na apresentação das Sete Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo. Tenho portanto razões para dormir mais descansado! (risos)
Há quem defenda que o Herman devia fazer uma pausa sabática da televisão: anda cá há 30 anos, tem estatuto, devia resguardar-se. Não concorda com isto, já sei...
Esse argumento é típico de treinador de bancada. É o mesmo que dizer: "Parem lá a tiragem do DN durante um ano para que no regresso ele ressurja com mais vendas e força do que nunca!"
Não é bem a mesma coisa, mas enfim...
(risos) Claro que é. O mercado não funciona assim, as pessoas têm de trabalhar.
Mas não tem medo de desgastar a sua imagem?
O único medo que tenho é da tristeza que vou sentir quando chegar a minha altura de fazer uma paragem sabática no Alto de São João numa gaveta do talhão dos artistas.
Não tem medo de ser visto como aquela antiga vedeta que não consegue parar na altura certa?
(risos) Tudo tem as suas compensações. Quando essa altura chegar, deixarei de perder tempo precioso a dar intermináveis entrevistas como esta. (risos)
Pronto, ok. Diga-me uma coisa: ainda se sente "o verdadeiro artista"?
Em palco e ao vivo, sinto. É uma grande alegria, garanto-lhe. E em palco não há como enganar nem retocar a pintura. E cada vez me realiza mais.
Portanto, acha que o público continua a achar-lhe a mesma graça que há 20 anos?
Qual público? O que ri com os Gato Fedorento? O que ri com o Camilo? O que vibra com a Tony Carreira? O que enche os festivais de Verão com música alternativa? O que compra os DVD com a reedição do Herman Enciclopédia ou os filmes do Woody Allen? Ou aquele que não perde um Preço Certo? É que para cada público terei uma resposta diferente, percebe
Percebo. Mas a minha pergunta continua a fazer sentido. Não tem medo de que esses públicos todos deixem de lhe achar graça?
Não.
Tem medo de quê, então?
De muito pouca coisa.
Nem da morte?
Tenho medo do sofrimento que leva à morte. Se pudesse escolher, optava por morrer a bordo do meu Gulfstream GV a caminho da minha casa de Palm Beach para a festa do meu 100.º aniversário. (risos)
Durante anos na SIC, teve a concorrência da artilharia pesada da TVI. Agora vai estar na TVI. Muda alguma coisa?
Muda tudo, claro. Já não vou ter a concorrência da TVI (risos). Mas eu nunca subvalorizo a concorrência. Lembro que na Roda, para além do rolo compressor Morangos, levei ainda com a jactância do surpreendente Preço Certo.
Sente que está à experiência? Moniz disse que para já tem este programa, depois logo se vê como corre...
O stress positivo que tenho vindo a sentir nestes dias já compensou tudo. O meu futuro imediato está hipotecado à estrada e aos muitos espectáculos que tenho marcados até ao Verão de 2010. Pode passar bem sem televisão.
Mas não é um bocadinho como pedir ao Luís Figo que vá fazer uns treinos de captação num clube de futebol? Ou o mesmo que pedir à Eunice Muñoz que faça um casting para uma novela?
Se até o Anthony Hopkins vai aos castings, quem sou eu para ter tratamento diferente?
Nunca escondeu a sua admiração por Moniz. Sabia que voltaria a trabalhar com ele?
Não, saber não sabia. Mas as pessoas de palavra e de carácter fascinam-me. Conheço muito poucas.
E como é ser agora colega de estação de Manuela Moura Guedes, profissional tantas vezes glosada por si?
Acho muito divertido. E espero ter muitas oportunidades de continuar a meter-me com ela. É uma mulher com tanto sentido de humor quanto coragem.
Manuela Moura Guedes tem sido alvo de muitas críticas por causa de uma alegada perseguição ao primeiro-ministro. O Herman nunca escondeu a sua admiração por José Sócrates. O seu coração está dividido?
(de pronto) Nada disso. Acho qualquer confronto depurador. E ficarei a admirar José Sócrates muito mais quando ele aceitar o convite para ir ao Jornal Nacional 6.ª, nem que seja para exercer o seu direito ao contraditório, que - como vimos com o episódio 'António Marinho' - está previsto na lógica jornalística do canal.
Mas acha que há razões para as críticas a Manuela?
Todas as críticas são legítimas desde que não rocem a calúnia. É um dos encantos da democracia.
O que o faz ainda correr?
Tanta coisa. Mas eu sou um viciado na minha profissão.
O que mudou em si nos últimos 20 anos?
Com toda a franqueza, acho que muito pouco. O País é que mudou muito - felizmente.
Continua a falar de trufas e de relógios, mas deixou de falar tanto de dinheiro... Deixou de se preocupar com isso, ou deixou de achar graça à publicitação dos seus sinais exteriores de riqueza (risos)?
Passei a ter algum pudor. Coisas que vêm com a maturidade.
Mas, por outro lado, hoje é muito mais ousado em algumas coisas. Na roupa, por exemplo. Porque sentiu necessidade de mostrar um estilo mais... único?
Tenho muitos estilos. Aos 17 anos já ia a Londres comprar jeans bordados no rabo e socas de tacão alto. Usava o cabelo pelas costas e comprava as minhas camisas às flores nos Porfírios Contraste. Neste concurso volto ao look sport/chic Rosa & Teixeira para desenjoar!
Vê-lo de fato na televisão já não faz sentido?
Claro que faz. Não me diga que não viu a minha entrevista à Constança Cunha e Sá! (gargalhada)
Vi, claro, mas estava a falar em programas apresentados por si. Mas adiante. Preocupa-se com o que as pessoas pensam e dizem de si?
Só um doente de Alzheimer em estado de doença muito avançada é que deixa de se preocupar.
O que é que acha que as pessoas dizem de si?
Lá voltamos às generalizações. Que pessoas? A minha mãe diz lindamente! O Balsemão nesta altura, duvido! (risos)
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